Ser Universitario
 

'A hora e a vez dos imbecis'

22/07/2015 - 07:20h

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Umberto  Eco, autor do consolidado romance “ O nome da Rosa”, está lançando “Número Zero” onde critica o jornalismo que se vende a interesses escusos. O fato é antigo, mas só agora um escritor de renome faz do  tema um romance crítico. Criticar através de um romance é uma  forma menos ortodoxa de crítica,  e também a menos arriscada.

Há  algum tempo, o meu conceito de jornalismo tem sido abalado pela compreensão de que  a imprensa vai sucumbindo a uma tendência desbotada.  Antigamente, havia a imprensa marrom. E quem gostava de imprensa marrom, comprava o jornalismo marrom. Mas, verdade seja dita em favor do jornalismo, a sociedade parece ter, desde tempos imemoriais, uma predileção especial pelo sensacionalismo carregado de cores pardas. O povo gosta de sangue e de sujeira mal lavada. E nesses tempos de crise, ou o jornal atende aos interesses do povo, ou cessam as atividades. Não dá mais para atender apenas aos intelectuais. O jornalismo diferenciado caiu no limbo da sobrevivência.

Dois segmentos determinam o conteúdo da imprensa : os donos de jornais, que só querem vender jornais,  e os que compram jornais querendo  notícias sensacionalistas. A mídia, que vem a reboque,  é  financiada por um poder monetário que controla a exposição das falhas, delitos e omissões do partido que governa,  enquanto também recebe  para evidenciar escândalos de grupos que se opõem ao governo.    No meio,  ficam os jornalistas, o elo intermediário dessa corrente, massa de manobra entre chefes e patrões, premidos pelas exigências  do  editor que, nada mais é,  do que um imediato que  precisa apresentar resultados econômicos aos barões da imprensa.   E assim, se fecha o repolho, e se completa a tragédia anunciada por Umberto Eco no  romance “Número Zero”,  que, segundo ele, é uma ficção  baseada em fatos reais.

O escritor está brabo. De Milão, onde reside, concedeu a Entrevista que foi coroada por uma frase polêmica: “No momento em que todos têm direito à palavra, na internet, temo-la dada aos idiotas.” 

Pronto, sobrou para nós.

A afirmação antipática, e assumidamente elitista, só não recebeu mais retaliações por parte dos assim chamados idiotas, no Brasil, porque a maioria deles nem conhece esse tal de Umberto Eco sem “h”. Por isso, se houve barulho, foi pequeno. Não foi um barulho grande como mereceu Zeca Camargo, quando fez a insanidade de criticar a comoção generalizada pela morte do sertanejo Cristiano Araújo. Zeca  recebeu ao pé da orelha muitas imprecações, muitos  xingamentos, muitas retaliações:
- Vá cuidar da sua vida!
- Quem você pensa que é, seu merda, seu bosta?!

Essa  foi a reação das pessoas,  que Umberto Eco chama de idiotas,  exercendo o  direito à palavra  que  a internet democratizou, contra o “grande artista” Zeca Camargo, que pressionado pela  rede Globo, e assustado com a reação do povo brasileiro, tentou consertar o que não podia mais ser consertado, mas valeu como exercício de humildade.

Eu, que me incluo no notável grupo dos idiotas que ganharam voz, achei muito bom!

Antigamente, só os pseudos intelectuais, celebrizados pela rede Globo de Televisão, tinham voz. Eles falavam, e mesmo que o povão não concordasse, não havia como contestar. Com o advento da web, esse tempo acabou. Todo mundo tem voz. Todo mundo grita. Todo mundo fala. Ainda  que seja um conteúdo irrelevante,  na irrelevância se manifesta a grandeza  do direito de expressão. Eu leio tudo, me divirto muito, aprendo bastante, me espanto com grande frequência, vou lá e xingo também,  dou muitas risadas -eu  de mim mesma - e acho uma maravilha exercitar a arte do espanto.

Quando um desconhecido assina um conteúdo,  ou uma opinião contrária ao famoso, ao pseudo intelectual, ao falante autorizado pela grande mídia,  está rompendo um paradigma de séculos. Por isso, eu paro, leio e aplaudo, pelo simples fato de que acabou o monopólio. Os famosos podem continuar passeando as suas famosidades, mas não podem mais praticar  a impunidade ideológica. Falou, pode esperar que, além de ser lido, ouvido e aplaudido, também será lido, ouvido e execrado.

Talvez o senhor Umberto   Eco  tenha razão em alguns aspectos: muitas asneiras são escritas e ganham força, à  medida em que se popularizam. Também  tem razão, quando se retratou  pela declaração desastrosa e impopular, usando como defesa o argumento de  que a internet dissemina informações incompletas:  a maioria das opiniões são formuladas por pessoas  não especializadas. Elas apenas repassam o que leram, sem checar a fonte, sem referência bibliográfica, sem conferir a veracidade do conteúdo e fica tudo por isso mesmo. Qualquer pessoa cria um canal de variedades e exibe o pouco conhecimento  para os que não tem nenhum,  e alguns, por força dessa corrente, recebem milhares de  inscrições e visualizações, ganhando um bom dinheiro com a publicidade agregada. Ninguém sabe nada, e quem sabe um pouquinho menos de nada,  posa de sabe tudo, e recebe pela imbecilidade consagrada.

De maneira que, o advento da internet, deu voz, não apenas aos imbecis, mas também aos visionários, aos espertalhões, aos empreendedores, aos desocupados, aos itinerantes, aos faladores, aos destemidos,  aos oportunistas, em todos os segmentos da sociedade. Serão eles todos intelectuais de cátedra? Lógico que não. Quando muito são auto-didatas do próprio didatismo.

 A internet só nos trouxe benefícios. Os malefícios foram agregados a ela, depois que os homens lançaram mão da ferramenta. A ferramenta é boa, o homem é que pode ser ruim. Assim como um lavrador escolhe semear  trigo ou maconha, assim também a internet   permite ao internauta tornar-se um especialista em imbecilidades, caso queira, e a demanda permita.

Se houver demanda, o imbecil prospera. A culpa é do imbecil? A culpa é da sociedade imbecilizada.

Provocações Filosóficas e Escritos de "Ana Maria Ribas Bernardelli"


Fonte: www.anamariaribas.com.br


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