Alguns argumentam que Deus morreu (Nietzsche), Deus sumiu (Friedman), Deus é um amálgama de várias personalidades (Miles). Por trás do texto bíblico, ele ensina a desobediência, antes que a obediência (Bonder). O Antigo Testamento tem uma mensagem oculta, e essa ocultação é o principal motivo do texto (Drosnin).
Deus não se torna presa de quaisquer definições e Suas ações difíceis de compreensão. Não é totalmente desconhecido, apesar da transparência pessoal. Mas todos estão convidados a examinar sempre e sempre as ações Deus.
Da mesma maneira como podemos de alguma forma, “encontrá-lo”, é fácil também criar uma seqüência interminável de questionamentos. Porém, acima dos frágeis julgamentos humanos, Ele continua sendo o eternamente “eu sou”, na Sua própria auto-definição.
Vamos fazer aqui uma breve reflexão a partir da seguinte perspectiva: como Deus passa de destruidor a doador da vida.
Primeiro Deus mata para depois curar
O início da criação fora marcado por construção e reconstrução. A teoria da lacuna é aceita pelas melhores correntes de pesquisadores bíblicos. Deus cria o perfeito e, em seguida recria ou melhora aquilo que já estava construído. Ou ainda, retoma a sua construção. Entretanto, quando começamos a ler o Gênesis, Deus começa a ter idéias destruidoras. Uma vez criado perfeito, e com evidências de enfermidades físicas e espirituais já instaladas, Ele expulsa o homem do jardim, Ge 3. Amaldiçoa a forma do trabalho do homem, 3.17ss; aumenta o sofrimento da mulher ao dar a luz, 3.17; bem como amaldiçoa, entre todos os animais, a serpente, 3.14.
Depois de penalizar a quase tudo, e principalmente ao homem, Deus dá indícios de intenções de restauração ao preservar Caim, assassino confesso de seu irmão, Ge 4.15( ). Depois de proteger um assassino, ainda assim Deus decide por diminuir a duração de vida do homem, Ge 6.6; e promete acabar com tudo de novo: árvores, animais e homens, ou seja, o universo criado, Ge 6.7. . Deus mata aos filhos de Judá, Er e Onã, Ge 38.1-10. As mortes de Onã e seu irmão não foram por matar alguém, foi por evitar que alguém nascesse. Nesse caso, o evitar o nascimento é castigado mais violentamente que o próprio homicídio.
A coerência como evidência nos atos de Deus
A enfermidade é a morte (pré)anunciada. A destruição de Deus é a rigorosa coerência divina na própria lei por Ele estabelecida. Não podemos colocar Deus no banco dos réus, sem considerarmos os sintomas das enfermidades – desobediência, indiferença, infidelidade, arrogância e outros tumores malignos existenciais que carregam a predestinação para a destruição.
Atos de Deus, caixa de ressonância do ser humano
Quando o povo hebreu entra na terra prometida, suas idéias destruidoras não cessaram, ainda que passassem por novas leituras e interpretações. Uma forma de Deus destruir todos aqueles que saíram do Egito foi matá-los no deserto, deixando apenas os que tinham saído com menos de vinte anos entrassem na terra prometida. A partir daí, uma nova postura de destruição estará presente. O sofrimento por outros povos. Ele não destruirá mais o seu mundo, como fez com Sodoma e Gomorra. Deus enviará povos inimigos para afligir seu povo. Assim, quando entraram na terra de Canaã, Deus usou como seus instrumentos de destruição os emoritas, Jz 1.34; mesopotâmios, Jz 3.8; moabitas, Jz 3.12; filisteus, Jz 3.31; 13.1ss, canaanitas, 4.1, midianitas, Jz 6.1; uma conjunção entre filisteus e amonitas, Jz 10.7ss. Esse tipo de castigo, muito usado no tempo dos juízes não se tratava de um julgamento para a terra toda. Regiões pequenas ficavam submetidas à escravidão, ao passo que outra parte ficava livre.
Da fala que mata a fala que cura
As idéias de destruição e catástrofes vindas de Deus só são amainadas com intervenções humanas. São os homens quem demovem a Deus de cometer alguns dos seus atos destrutivos. Talvez o único que não tenha se esforçado muito para convencê-lo de desistir desses planos foi Noé, visto que ele fora escolhido para continuar vivo.
A partir de agora, Deus planeja uma coisa e os homens se encarregarão de dissuadi-lo de fazer o que planejou. Vejamos alguns exemplos. Primeiro: Deus jura destruir Sodoma e as cidades adjacentes. No entanto, seu plano só se cumpre porque Abraão desistiu de orar até que se zerasse o número de justos (Ge 18.33). Ou, talvez, Sodoma tenha sido destruída pela incapacidade de Ló encontrar (ou salvar) 10 pessoas justas ali. Exemplo dois: Deus promete matar Abimeleque. Porém, é a oração de Abraão que faz com que Deus não cumpra sua ameaça de matá-lo. Como exemplo número três tem o fato de Deus ter prometido destruir o povo que constituíra no deserto, Êx 32, mas é Moisés quem o frustra de fazê-lo, evitando que a catástrofe venha. Mais uma vez, é a oração do legislador quem muda a situação. A geração saída do Egito foi toda morta, mas aos poucos, ao longo da caminhada no deserto. Assim o povo não foi destruído totalmente. Exemplo quatro: Foi com as orações intercessórias dos profetas que o povo não fora destruído no tempo dos reis ou do exílio. Deus se arrepende mediante as orações de Amós (Am caps. 7, 8 e 9), Jeremias (7.16) e outros profetas; essa foi a causa do povo não ser destruído.
As palavras que geraram a morte, a palavra que gera a cura
Deus desiste de fazer a destruição pelas próprias mãos – através de seus agentes: desastres cosmológicos, ecológicos, anjos... Deus desiste da destruição dos povos através do seu povo. Deus passa do desejo de destruição para o desejo da bênção e da preservação. O próximo passo, além da preservação é a inclusão, onde povos anteriormente condenados ao extermínio passam a fazer parte do povo que seria anteriormente seu algoz.
Preservação, bênção e inclusão são as palavras que agora definem Deus. Não o definem totalmente, é uma definição possível, uma interpretação possível, dentre várias outras. Tanto que, a própria teologia não é a revelação de Deus em si, mas como o homem compreende e reage diante da Sua auto-revelação. Assim, estudar Deus, pensar Teologia não é revelação, é, sim, interpretação. Analisar as ações de Deus é uma maneira de interpretar quem é Deus, mesmo não conhecendo os grandes e profundos mistérios que ainda pairam sobre a Sua pessoa.
O maior propósito é a reinclusão à vida
Normalmente, com a visão tradicional da visão de Deus que vem desde Márcion no segundo século, esperar-se-ia que ato de desobediência acarretaria um julgamento implacável, ou outro ato de destruição (final).
Obedecer e não obedecer não é apenas uma questão de castigo, punição e bênção. Não temos apenas as oscilações entre desobediência e castigo. Mas uma nova lição, uma maior mensagem estava por vir. A (re)inclusão, mediante a morte da morte estava para acontecer. Deus estava prestes a se arrepender do plano original de destruição total, para restabelecer a maior e mais bela das utopias – a vida perfeita e eterna.
Tudo caminhava para o maior acontecimento da humanidade – a morte da morte.
A cura
Deus sabe o que faz. E nos faz entender que não há vida sem a morte. E não há vida eterna sem a morte da própria morte. A morte da enfermidade é um estágio inicial da sobrevida. Apenas um estágio. E a morte da morte é a consumação da vida eterna dentro de um ser perfeito.
Não há cura sem a destruição do mal. Isto estava claro nas implacáveis destruições ocorridas. Afinal, o homem era a bandeira do seu próprio mal. Tanto que, defendia a legitimidade da infidelidade espiritual, da desobediência sem medir as conseqüências, da arrogância apregoada, dentre outras. A cura manifestava-se nos atos de destruição de obstáculos, interdições e que impediam o estabelecimento da vida.
A lei do retorno era a destruição de Deus que o próprio homem deliberadamente desconsiderou. Só havia uma alternativa: matar a morte por única só morte. Este era o plano. O começo do estabelecimento da cura definitiva. O alcance da perfeição final, e da vida eterna.
A intervenção de um homem que matou a morte
“Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?”
A presença da cura e de quem iria matar definitivamente a morte não tinha aparência, nem formosura. A “pequenez” do remédio inquietou os eruditos da época, reis, sábios, sacerdotes e todos os segmentos religiosos. A visão humana não alcançou o poder que estava decidido a vencer. Caminhava com trajes do pior para horizontalizar-se no pior. Caminhava com gestos de ternura para manifestar a nova aliança de justiça que estava sendo escrita nas ruas empoeiradas da Judéia. Sensibilizava-se com o enfermo para dizer que, estava por vir a ruptura definitiva entre a enfermidade e enfermo. Acolhia os malfeitores (assim como Caim) Zaqueu, o ladrão da cruz e mantinha-se implacável com a religiosidade que entorpecia o entendimento da caminhada da vida.
A religião é a posse de Deus. Enquanto que o amor é a entrega a Deus.
A vida que caminhava não queria ser possuída como propriedade intelectual de grupos, líderes, mas a vida caminhava em direção a um ato de amor, pela união entre duas pessoas – homem e Deus – e que fossem “um”! Assim é que se eterniza a vida; na própria Vida!
Mas... Faltava a intervenção final!...
O Mestre de Nazaré se fez sofrer e se entregou à morte. Paradoxalmente a morte traria vida e mataria a morte. E ao dar a sua vida ele diz ao mundo: sem a minha morte não há cura e não há vida eterna.
Assim...
Deus inventou a morte para que da morte do Mestre de Nazaré brotasse vida. Com a intervenção do Mestre de Nazaré podemos dizer que, “morreu a morte” e se descortinou a vida!
E a receita já está à disposição de todos os morrentes: FÉ nÊle.
Lembrando aqui o excelente Gilberto Gil: “Andar com fé eu vou que a fé não costuma falhar”.
A fé é a mãe da esperança. E a esperança é a penúltima que morre...
Eternize-se na fé e na esperança onde reside a vida eterna!
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