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14 crônicas de amor à natureza, por RubemBraga, o "lavrador de Ipanema"

02/12/2013 - 08:40h


FERTILIDADE ANCESTRAL
Rubem Braga, o lavrador de Ipanema

Para celebrar o centenário do escritor Rubem Braga, este ano foram lançadas algumas edições carinhosas, entre elas esta, que reúne 14 crônicas de amor à natureza e revela que o autor já era ecológico antes mesmo que o partido verde tivesse surgido na Alemanha

Eu não sabia que bolinha de gude dava em árvores! Que enorme ignorância a minha, ignorância igual a de tanta gente que nasce na cidade, sem nunca ter visto uma Saboneteira, a árvore que dá belebas, bolinhas pretas que servem para brincar. Essas belebas não são de vidro, no entanto cinco belebas podiam ser trocadas por uma bolinha de gude lá em Cachoeiro de Itapemirim (ES), cidade onde nasceu Rubem Braga, o maior cronista do Brasil.

Isso foi em 1913 e, para comemorar o centenário do autor, em 2013 foram lançadas algumas edições carinhosas e comemorativas, entre elas "Rubem Braga - o lavrador de Ipanema". São 14 crônicas de amor à natureza, um breve histórico do autor e a singela apresentação das organizadoras - Januária e Leusa. Terá sido ideia delas fazer um livro que cabe numa bolsa de mulher?

É uma edição elegante, com capa dura, as páginas em papel reciclado, com ilustrações lindas que quase vão perfumar as bolsas femininas com aromas de mato úmido, sementes, folhas vindas de um outono que ninguém sabe onde começa, só o escritor. Para nosso espanto, ele revela que o outono de 1935 chegou no bonde Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, quando uma folha bateu na sua cara, às 13h48. O dia exato ele não lembra, mas era o dia das almas errantes, em que todo mundo está gripado e ninguém sabe o que vai fazer com o amor.

E eu também não sei, nem do amor nem do outono nem da infância. A dele sendo tão rica em mistérios de plantas e quintais, que atrás de sua casa havia um morro, e no alto do morro um cajueiro muito velho. Tanto que, quando Braga já estava no Rio de Janeiro, famoso como cronista de jornal, o cajueiro morreu. A irmã do escritor escreveu para contar do morto, como se fosse um parente. O cajueiro tombou num tarde de vento, carregado de flores.

Os leitores mais jovens talvez não conheçam Rubem Braga - que além de cronista foi correspondente de guerra, embaixador no Marrocos, marido de Zora Seljan, mulher moderna descendente de croatas; vendedor de pedras preciosas, perseguido político na era de Getúlio Vargas; amigo de poetas e do naturalista Augusto Ruschi, que batizou uma orquídea descoberta nos anos 1970 com o nome de ambos, o que resultou em Phisosiphon Bragae Ruschi.

Então, qual o papel do Braga na literatura nacional? Ele é o cajueiro florido no alto do morro. Pouco importa que tenha mudado para uma cobertura no Rio de Janeiro (onde instalou um jardim suspenso). Seu lugar será sempre numa casa com quintal, no fundo do qual corre um caudaloso riacho amarelo, cheio de moleques nadando para pescar lambari, e um desses moleques é ele.

Muitos leitores vão ler, escrever e sonhar, movidos por essa fertilidade ancestral do "Velho Braga", como o autor é chamado. Parece nome de rio (não chamam de "Velho Chico" o rio São Francisco?). Pois o velho Braga já era ecológico antes mesmo que o partido verde tivesse surgido na Alemanha, nos revolucionários anos 1960.

Uma de suas crônicas mais famosas "Ai de ti, Copacabana", é quase uma passagem bíblica com humor mundano. Professa que o mar é maior, mais forte e muito mais importante que todos os prédios construídos na orla da praia, e que o mar sobreviverá. Ao cimento, aos fariseus e às vaidades. Mas, nesta edição do Lavrador de Ipanema, não há nada de revanches marítimas. Só tem planta e Deus, sossegado, ouvindo música, como se não fosse o todo poderoso e, soubesse, sem medo, que algumas árvores são mulheres. Flamejantes, frutíferas, brancas de olhos verdes, puras, levianas, nuas.

Como é louco o Rubem Braga, como seu rio é forte e cheio de peixes e meninos, como ele sabia das coisas! Não havia pompa nem burocracia nas palavras que ele plantou, colheu e nos deu em oferenda, molhadas de frescor. Tudo o que ele escreveu é vivo. Não percam.

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Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br


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