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Conheça detalhes inéditos sobre a história de Getúlio Vargas

02/12/2013 - 09:22h

Das traquinagens em São Borja à formação militar e anticlerical: os fatos que marcaram a vida e definiriam a trajetória do político que mais tempo passou à frente da Presidência da República do Brasil

Naquela tarde de verão de 1896, na fazenda Itu, a 30 km de São Borja, no Rio Grande do Sul, o coronel Manuel Vargas tomava chimarrão com um grupo de estancieiros para tratar de negócios e política. Um estrondo vindo de dentro da casa fez com que o bravo veterano da Guerra do Paraguai interrompesse a reunião e entrasse em casa para ver o que ocorrera. Era a pintura a óleo de Julio de Castilhos, considerado um herói e um mito naquela casa republicana por ter, 7 anos antes, conspirado a favor da proclamação da República brasileira, que se espatifara no chão. Manuel Vargas não teve dúvida: aquilo era obra do terceiro de seus quatro filhos então, Getúlio Dornelles Vargas.

Getulinho, mirrado e pequeno aos 14 anos (pequeno, aliás, continuaria a vida toda: só chegou a 1,57 m de altura), apavorado com o acidente que causou ao mostrar o guarda-chuva do pai ao amigo, fugiu da sala e subiu em um umbuzeiro ao lado da casa. Ficou ali, vendo o pai colérico ordenar que peões dessem uma busca na fazenda. Só desceu na manhã seguinte, quando a raiva paterna tinha virado aflição - ele e a mulher, dona Candoca, haviam passado a noite em claro, desesperados com o sumiço. Getúlio escapou do castigo e levou do episódio uma lição: o melhor a fazer é esperar, resistir, usar o tempo como aliado até que tudo esteja a seu favor. E então descer do umbuzeiro.



A lição do umbuzeiro é uma das histórias da infância do homem que por mais tempo comandou a República brasileira: 18 anos, somados os dois períodos no Palácio do Catete. Ela está em Getúlio, o primeiro de 3 volumes dedicados à vida do sujeito que dizia ser contra biografias, de autoria do jornalista e escritor Lira Neto e que será lançado este mês. O jornalista leu dezenas de livros e teses sobre Getúlio e pesquisou em fontes primárias (processos judiciais, despachos diplomáticos, folhetos, charges e até suvenires) para traçar um retrato surpreendente do político que entrou para a história do país ao comandar a Revolução de 1930.

"É possível antever em sua infância e juventude uma série de características que condicionaram Getúlio a tomar atitudes como político", afirma Lira. "O poder unipessoal, por exemplo, era natural para ele, que viu Borges de Medeiros (líder do Partido Republicano Rio-Grandense, ao qual a família Vargas era filiada) ficar 25 anos no poder do Rio Grande do Sul. Getúlio herdou desde cedo tal germe autoritário. Ao mesmo tempo, é cheio de contradições, como ser um ditador que também foi o primeiro político de massas do país."

Em São Borja, Getúlio gostava de brincar de guerra, reproduzindo as aventuras militares do pai, que tinha de ficar repetindo histórias das batalhas para o menino. Também construía armadilhas para animais e aprendeu, garoto, a carnear boi. Apesar das peraltices, foi uma criança com saúde delicada. Aos 2 anos, quase morreu ao tomar alguns goles de querosene. Aos 7, teve graves acessos de febre. "Cresceu uma criança calada, dada a longos silêncios, trancafiado em seu próprio mundo, ao qual poucos tinham acesso", escreve Lira em Getúlio. "Preferia ouvir a falar. Quando provocado, respondia de forma evasiva, quase arisca."

Essa reserva é traço característico de sua personalidade futura: Getúlio desenvolveu um jeito bonachão, escondendo-se atrás do sorriso, uma espécie de escudo para os que se arriscavam a desvendá-lo. "Tinha uma grande capacidade de postergar problemas", afirma Lira. "Ele repetia muito a frase: `Deixa como está para ver como é que fica¿." Foi assim que agiu por vários meses, anos depois do episódio do umbuzeiro, em 1930. Ficou em cima da árvore até ter certeza de que o cenário era propício para tomar uma atitude: decidir liderar a revolução que o levou ao poder.

A paixão pelas brincadeiras militares fez com que Getúlio decidisse entrar para o Exército. Em 1898, alistou-se como soldado raso em São Borja. Em 1900, pouco antes de completar 18 anos, ingressou na Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo. Para se adequar à idade exigida pela arma, rasurou a certidão de nascimento - consta nos documentos da escola que ele nasceu em 1883, e não 1882. Foi um aluno acima da média, que passava horas absorto em leitura, mas, ao colocar-se ao lado de cadetes que haviam brigado com um capitão, acabou expulso do colégio. Desapontado, decidiu trocar a farda pela Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre.

"Aos 21 anos, o jovem de São Borja começaria a experimentar duas paixões: a queda pelas mulheres e o ardor indisfarçado pela política", escreveu Lira. Getúlio começou a discursar em atos oficiais - representava os estudantes de direito em seu primeiro grande discurso, no Theatro São Pedro, no velório de Julio de Castilhos (o mesmo do quadro quebrado na infância).

Na faculdade, apaixonou-se por uma jovem a quem chamava de Dama de Vermelho, "estranha e deslumbrante beleza feminina", conforme descreveu. Lira descobriu o nome dela: Alzira Prestes. Tudo indica que o caso não passou de amor platônico: a moça casou-se com um telegrafista. Outras musas povoaram o coração do rapaz, que as tratava por codinomes. As cartas tinham menções à "filha do general" ou à "beleza aduaneira". O que Lira descobriu, com base numa carta enviada a Getúlio por um amigo, foi que o futuro presidente não encontrou o amor no casamento: "Nenhum de nós se casou com a mulher que pensava amar".

Na faculdade, Getúlio começou a apreciar charutos, hábito que se tornaria sua marca particular. Ele chegou a fumar 8 por dia, em especial os das marcas Mil e Uma Noites e Soberano. Na formatura, como orador, fez um discurso que, por sua vontade e da família, não entraria para a História, mas que o autor da trilogia descobriu e publicou. Era um libelo contra o cristianismo: "a moral cristã é contra a natureza humana", "o cristianismo é inimigo da civilização", um retrocesso em relação "às grandes conquistas progressivas da humanidade". O cristianismo, para Getúlio, "desnatura a grandeza da sexualidade, a união dos seres numa transfusão do magnetismo amoroso, considerado um comércio impuro". O texto era reflexo de suas posições anticlericais, associadas ao positivismo, em voga na época.



"Mais tarde, não interessaria a Getúlio divulgar o ideário que professara na mocidade", diz Lira. "Em um país católico, aquelas palavras permaneceriam convenientemente omitidas da opinião pública por decisão expressa do autor." Segundo Lira, o discurso estava nos arquivos da Fundação Getúlio Vargas, com um bilhete da filha do político, Alzira, pedindo que não fosse publicado. O autor ficou em uma encruzilhada, entre o pedido dela e a importância histórica do documento. Venceu a segunda opção. Getúlio tornou-se, mais tarde, cristão de ocasião. Seu casamento com Darcy, em 1911, foi só no cartório. "A publicação do discurso é importante para compreender como Getúlio precisou moldar seu pensamento", diz Lira. "Quando chegou à presidência, radicalizou a ponto de fazer da Igreja sua aliada." Em 1934, Getúlio e Darcy casaram-se no religioso, numa cerimônia discreta, sem a presença dos filhos. No começo de seu governo, em 1931, a estátua do Cristo Redentor foi inaugurada e Nossa Senhora Aparecida virou padroeira do Brasil.

Getúlio e amigos da faculdade fundaram, em 1907, o Bloco Acadêmico Castilhista. Começava aí sua participação na política como pica-pau (em oposição aos maragatos, federalistas). Aos 25 anos, foi eleito deputado estadual, com o aval de Borges de Medeiros, presidente (governador) do Rio Grande do Sul. "Getúlio foi ocupando o papel de líder natural entre os colegas", afirma Lira. Nessa época, chegou a defender em plenário que a divisão do Estado em 3 poderes independentes não passava de "um velho princípio metafísico", que precisava ser superado. "A palavra `ditadura¿, pelo viés do castilhismo-borgismo, não tinha valor negativo. Era sinônimo de hierarquia e disciplina partidária."

Em 1922, virou deputado federal. No Brasil, era a época da "política do café com leite", em que se revezavam na presidência políticos de São Paulo e de Minas Gerais. Algumas insurreições, as revoltas tenentistas, começaram a ocorrer no país. Os revoltosos pregavam a modernização e a moralização dos costumes políticos e apoiavam a revolução como forma de promover uma mudança efetiva. Getúlio era contra os rebeldes.

Getúlio, o galanteador

Mesmo depois de casado, Getúlio não abandonou seu lado sedutor. Na época de deputado federal, dava suas escapadas em Porto Alegre. "Sabia-se que era frequentador assíduo do célebre Clube dos Caçadores (também chamado Centro dos Caçadores) - casa de diversões masculinas que, de clube, tinha só o nome e, de caçadores, a metáfora", afirma Lira Neto em Getúlio. O local era um cabaré e um cassino, que oferecia mesas de carteado, roletas e espetáculos musicais. "As beldades que costumavam borboletear pelos salões do lugar, fossem paraguaias, argentinas ou uruguaias, eram chamadas de `francesas¿." Mais tarde, como líder do governo provisório, as puladas de cerca não cessaram. "Getúlio sempre teve encontros com outras mulheres. Seu gosto pelo teatro de revista tinha muito a ver com a atração que sentia pelas vedetes, a ponto de a mais famosa dentre elas, Virgínia Lane, querer se atribuir a glória de ser a amada de Getúlio", diz Boris Fausto em Getúlio Vargas. Virgínia, em Entrevista a AVENTURAS NA HISTÓRIA, em 2007, disse que o romance durou quase 15 anos: "Eu entrava e saía do Catete pela porta da frente!" Segundo Fausto, nos meses que antecederam o Estado Novo, Getúlio viveu momentos de pura paixão. Anotou em seu diário que conhecera Aimée Simões Lopes, "companhia alegre e inteligente". O caso durou pouco mais de um ano. Em 1938, já sem Aimée, escreveu sobre ela: "E assim passou-se, para mim, o ano, tendo uma ponta de amargura por alguma coisa longínqua, que era a minha fina razão de viver".

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Fonte: guiadoestudante.abril.com.br


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